Aleatoriedades

Empreendedorismo materno é um fantasma?

Quando eu tinha 13 anos, li uma frase em um livro para adolescentes que me marcou tanto que continuou repercutindo muitos anos após esse acontecimento. A frase continha uma idealização. No entanto, como muitas mães acabam sendo reconhecidas (ainda que pouco) por seu esforço e resultados (profissionais e familiares), o que acontece na prática é que isto é visto como regra: é possível, é viável, é necessário. Mas dentre todos os cenários que existem e podem existir só um deles importa: o meu. Ou o seu. Cada mãe só pode viver a sua própria realidade.

E o que quero dizer com isso é que a nova onda do empreendedorismo materno já começa a dar sinais do quão prejudicial tem sido o cenário para boa parte das mães que empreendem. Mães que aceitam trabalhar nas madrugadas porque nesse horário os filhos dormem, mães que normalizam o sacrifício por conta da necessidade de aumentar a renda, mães que são vistas como privilegiadas porque estão em casa mais próximas dos seus filhos (e assim não têm suas emoções de estresse e frustração validadas por outras mães, ou até mesmo a própria família).

Nós optamos por esse caminho e achamos justo o preço a pagar porque nós queremos estar presentes na infância das crianças. E a nossa sanidade mental vai indo. Afinal, poderíamos reclamar se nossas próprias mães sofreram mais que nós? Se nossas avós não conheciam metade dos prazeres que hoje vivemos? Como jantar fora, viajar ou usar com máquina de lavar com frequência?

Do meio religioso ou mais conservador até à ala mais progressista da sociedade perdura a clássica imagem de que a mulher, quando mãe, é forte quando seus resultados superam às das colegas que não tem filhos. Somos inclinadas a acreditar que podemos fazer o mesmo que elas ou até mais. Eu não estou falando de trocar a madrugada de festas pelas madrugadas amamentando o bebê. Muito menos que deveríamos descontar no recém-nascido, cobrando-lhe regras para que durma mais e “melhor”. Eu estou falando que somos números. Mesmo dentro da nossa casa, na nossa família, nós também somos números. Porque se precisamos compor a renda da casa, nós precisamos dar resultados. Essa é uma realidade que nem todas viveremos, eu sei. Mas o que estamos fazendo por aquelas que vivem assim?

O empreendedorismo materno é um fantasma quando não consideramos que tipo de rede de apoio precisamos ter. É um fantasma quando achamos que trabalhar com filho em casa é igual para todo mundo e esquecemos que idade e quantidade de filhos modificam o cenário. É um fantasma quando achamos que podemos determinar em números o quanto precisamos receber para garantir a renda do mesmo modo que pessoas sem filhos podem fazer isso.

A ideia de empreender liberta e aprisiona. O que determina se eu ou você estamos livres ou presas é a nossa realidade pessoal e familiar. Se empreender não ficou para todas as pessoas de modo geral, por que seria a solução das mães que querem mais tempo com seus filhos?

A frase que eu li quando tinha 13 anos dizia algo assim: “a mãe de fulano é independente, ela é psicóloga, faz seu próprio horário de trabalho”. Hoje, essa frase seria atualizada para “a mãe de fulano é independente, ela trabalha em home office”. As mulheres pagaram um preço mais alto pela independência financeira, as mães ainda mais. E, no fundo, não sei dizer se ainda temos saída…

Aos 20 anos, parei de cursar Psicologia e fui experimentar o que seria (ou mais faria) na vida. Tornei-me servidora pública aos 23. Sou mãe, pedagoga, artesã, doula e (quase) enfermeira. Estão entre as minhas habilidades fabulosas cortar um bolo magnificamente bem, lembrar inúmeros sonhos e fazer vestidos de noiva.

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